sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

José Brito, técnica mista s/tela, 46x55 cm, 2005





José Brito, técnica mista s/tela, 70x90 cm, 2007


 

sábado, 24 de dezembro de 2022


José Brito, Técnica mista sobre tela, 190 x 97 cm, 2010 




quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

José Brito, 2016, técnica mista sobre tela, 97 x 130 cm 





Entrevista: 2011

Canal de Arte Contemporânea - Marcio de Oliveira Fonseca

 

Você poderia falar algo de sua vida pessoal?
Ex.: local e data do nascimento, profissão dos pais, escolas frequentadas, universidade, eventuais trabalhos.

Nasci a 6 de Setembro de 1958, em Lobão da Beira, Tondela, Portugal.

Filho de gente humilde, com o 3.º ano de escolaridade.

A minha mãe repartia as tarefas da casa com a vida do campo, o meu pai era operário da construção civil.

Na escola da aldeia estudei até ao 6.º ano de escolaridade e partir daí encerravam-se todas as ambições académicas das famílias com mais dificuldades. Em Tondela, a 6 km, havia um Colégio Interno que era dolorosamente oneroso, ou então, o Liceu em Viseu.

Viseu ficava a uma distância superior a 20 km. O acesso ao autocarro, ficava a cerca de 3 km, era feito a pé, por um caminho de terra batida, pelo meio do mato, com botas de borracha por causa da água e da lama e lanterna a petróleo na mão para ver onde colocava os pés. O meu irmão mais velho ainda fez este esforço épico durante um ano mas o deslumbramento perante a cidade grande levou-o a faltar às aulas e consequentemente chumbar o ano letivo. A partir desse momento os meus pais concluíram que não valia a pena insistir….

Todos aqueles que nasciam no interior do país, fora dos grandes centros urbanos, estavam condenados a ser força bruta de trabalho. Tínhamos no campo a oportunidade de trabalho, havia também uma pequena indústria ou então restava-nos a emigração.

A partir dos 12 anos comecei a trabalhar no campo e a partir dos 14 anos comecei a trabalhar como operário da construção civil.

O legítimo desejo de um trabalho mais consentâneo com as minhas ambições pessoais, sociais e afectivas levam-me até à capital.

Aos vinte anos, fixo-me em Lisboa e vou trabalhar para a Câmara Municipal como cantoneiro de Limpeza.

Vou varrer as ruas da cidade e particularmente as ruas que contornam o Liceu Gil Vicente onde ingressei como aluno em regime de horário nocturno. Uma das minhas professoras desde logo me começou por encorajar a seguir o caminho das artes. No ano seguinte, ela mesmo, tratou da minha transferência para a extraordinária e admirável Escola Secundária Artística António Arroio. Dali sigo para a Faculdade de Belas-Artes de Lisboa onde me licenciei em artes plásticas/pintura. Mais tarde realizei o mestrado em História da Arte na Universidade Lusíada.

Quando você notou o seu interesse pela arte? Como sua família reagiu?

Acredito que não fui eu que tive a percepção de que tinha algum talento para as artes mas sim os meus estimados professores.

Mesmo após a minha entrada para a António Arroio eu apenas pensava trabalhar num escritório, ter um emprego e um vencimento seguro no final de mês. Entretanto, de forma intensa e apaixonada, comecei a interessar-me por arte, mas na qualidade de fruídor, nunca na condição de criador. Na fase final do curso, no 12º ano, comecei a copiar obras de Amadeo de Sousa Cardoso e Vieira da Silva. Trabalhos que destruí e hoje me arrependo. Ambos me influenciaram bastante e creio que essa influência ainda hoje é visível no meu trabalho. Convém salientar que ainda guardo, ou melhor a minha mãe, trabalhos que fiz durante o 5º e 6º ano de escolaridade. São trabalhos que de facto revelam grande expressividade plástica e sentido estético.

Quando fiz a candidatura à universidade meu pai aconselhou-me por um curso que, segundo ele, possibilitasse um futuro mais sólido: arquitectura, engenharia...

Mas, agora todo o meu universo era pictórico, apenas pensava em pintura e ser pintor. O trabalho que hoje desenvolvo iniciou-se neste período, mais concretamente em 1987.

 

Qual foi sua formação artística?

Tenho como formação artística: o Curso de Artes Técnicas do Fogo da Escola Secundária Artística António Arroio, em Lisboa. Licenciatura em Artes Plásticas/Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Mestrado em História da Arte pela Universidade Lusíada, em Lisboa.

 

 Que artistas influenciaram seu pensamento?

Numa primeira fase são essencialmente pintores portugueses: Amadeo de Sousa Cardoso e Helena Vieira da Silva.

Depois veio o contacto com os mestres cubistas e sobretudo aqueles ligados à colagem: Picasso, Braque e Juan Gris. Em 1991 a Fundação Calouste Gulbenkian trás a Lisboa uma mostra retrospectiva de Antoni Tàpies. Este foi o meu grande momento, como que a oportunidade que há muito esperava. Não conhecia Tàpies e, a partir do momento que entrei na sala de exposição, foi como que tivesse encontrado a luz que há muito procurava: estava perante o grande Mestre!

Outros mestres que influenciaram a minha pintura: Rembrandt, Velásquez, Joan Miró, Kurt Schwitters, Mark Rothko, Alberto Burri, Manolo Millares, Andy Warhol, Robert Rauschenberg, Anselm Kiefer, …

A poesia de Fernando Pessoa é também uma das minhas grandes fontes de inspiração e libertação.

A minha obra está intimamente associada à fragmentação do eu em Pessoa a qual permite conciliar o pensar e o sentir. Organizo a fragmentação num todo que é a pintura.

Faço sempre questão de pintar sobre jornais em língua portuguesa. O português representa um património cultural imaterial que é importante salvaguardar. Como dizia Fernando Pessoa: “Minha pátria é a língua portuguesa”.

Que comentários você faria sobre sua obra?

Faço uso das páginas dos jornais (apropriação) e da colagem (manipulação e intervenção em recortes de imprensa), exploro esta técnica artística tanto para re/leitura como para representação do mundo contemporâneo.

Aproprio-me das páginas dos jornais e intervenho sobre as mesmas estendendo (com um trapo) manchas de tinta negra (tinha da china com tinta acrílica preta) bastante líquida de modo a possibilitar um elevado grau de transparência, isto é, permitindo ao observador uma re/leitura, ainda que parcial, dos textos.

Estas folhas de imprensa (sempre jornais portugueses visando a defesa da língua portuguesa como património cultural da humanidade a preservar) quando colados sobre a tela, articulam-se de modo a reescrever uma nova narrativa e constituindo um jogo estético, quadro de anotações e um sem fim de ideias e sensações. Uma torrente que impele a memória e a vivência construída de maneira impulsiva e directa.

Os jornais são também uma imagem da infância, o suporte que trazia a notícia mas que, simultaneamente, servia, nas casas mais modestas, como elemento decorativo dos louceiros das cozinhas negras da fuligem das lareiras.

Tal abordagem prática passou a suscitar inumeráveis questões teóricas acerca da composição gráfica/imagem (mancha gráfica) enquanto registo e forma de expressão; da origem e desenvolvimento histórico da técnica do recorte e da colagem; da colagem na história da arte moderna e contemporânea; do uso de imagens fotográficas pela comunicação visual e pela publicidade e, particularmente, acerca dos sentidos que uma mensagem visual pode produzir, entre outras.

Esta pesquisa, iniciada em 1987, ainda como aluno da Escola Secundária Artística António Arroio, desenvolveu-se inicialmente em forma de estudos exploratórios tendo sofrido, ao longo de todo este tempo, um percurso processual de visível sequência no plano das poéticas contemporâneas.

Com esta pesquisa pretendo aprofundar o estudo da colagem para assim compreender o processo de reutilização dos resíduos/folhas de jornal impressos e do registo fotográfico transformado numa nova superfície: não é a reunião dos papéis colados que faz a colagem, mas é o encontro de imagens que nos dá a colagem num âmbito mais sensível da expressão dinâmica e da visão activa.

Por outro lado, pretendo ampliar o universo da pesquisa desenvolvida até agora, examinando também as especificidades que a imagem passou a ter, ao ser enormemente apropriada e manipulada nos e pelos meios electrónicos disponíveis na actualidade.

O objectivo geral passa por aprofundar e desenvolver a minha pesquisa, conferindo-lhe maior fundamentação teórica, atribuindo-lhe contornos científicos definidos, vinculando-a mais directamente à linha de pesquisa sobre a qual tenho vindo a desenvolver todo o trabalho em torno da pintura/colagem.

Sob o ponto de vista dos objectivos específicos pretendo compreender em profundidade os significados das mensagens visuais, realizar pesquisa bibliográfica pertinente e desenvolver e estruturar um método didáctico de apropriação e intervenção em imagens.

Para isso ambiciono efectuar um estudo e investigação da colagem e o seu lugar na História da Arte. Estudo/abordagem da obra de alguns artistas que utilizaram a colagem ao longo da História da Arte (Picasso, Braque, Gris, Schwitters, Rauschenberg, Warhol, Tapiès etc.) e saber o papel da imagem fotográfica impressa na contemporaneidade. (A imagem fotográfica veiculada em suportes fixos: Jornais, Revistas, cartazes, out-doors, etc.)

 

 Quais foram as exposições mais importantes com sua participação?

Todas as exposições foram, para mim, muito importantes embora a última é sempre aquela que se reveste de maior sentido. Já não expunha, individualmente, no Brasil desde 2004. Tive várias oportunidades mas sempre fui adiando…

Mas quero dizer-lhe que amo o Brasil, acredito neste jovem país e gostaria muito de viver e trabalhar aqui de forma mais efectiva.

Há cerca de cem anos pai de minha mãe casou, no Rio de Janeiro, com uma senhora de origem portuguesa indo viver para New York. Meus tios mais velhos nasceram naquela encantadora cidade. A família regressou a Portugal pelo que se perdeu a relação com os EUA bem como com o Rio de Janeiro/Brasil.

Lembro a minha primeira exposição individual, em Tondela, que por questões afectivas fiz questão que fosse nesta cidade.

Com a exposição na Galeria Cândido Portinari, em Roma, dei início a um processo de projecção além fronteiras. Depois a minha exposição na Fundação Joaquim Nabuco, no Recife. Mais tarde a exposição no Palácio da Abolição em Fortaleza; a exposição no Palácio das Artes em Belo Horizonte; a exposição na Galeria Judith Daprà em São Paulo.

Como grande admirador da arte e cultura espanhola, a exposição na Fundació Niebla, próximo de Barcelona, foi também muito significativa para mim. É a casa do grande pintor catalão Josep Niebla e, sobretudo, um grande amigo, um homem com uma enorme dimensão humana.

 

Paula Rego é o grande nome da arte contemporânea de Portugal. Na Bienal de São Paulo temos Carlos Bunga, Pedro Costa e Pedro Barateiro. Como está a arte em seu país em relação a outros países? Que outros nomes se destacam?

Sim, hoje é unânime que entre nós, portugueses, Paula Rego é a grande referência na arte contemporânea embora seja importante lembrar que ela reside em Londres. Porém não podemos esquecer Júlio Pomar, outro nome cimeiro da arte portuguesa, com atelier em Lisboa/Paris; Costa Pinheiro que viveu na Alemanha e em França. Não sei se a mãe pátria é madrasta para com os seus filhos mas, o que acontece, é sempre no exterior que os artistas portugueses são reconhecidos e só mais tarde no seu país. O reconhecimento de um modo geral é feito de fora para dentro.

Existe hoje em Portugal um leque de imensa qualidade e diversidade de grandes artistas plásticos com obra reconhecida além fronteiras. Entre tantos e sem querer ferir sensibilidades destaco alguns: Julião Sarmento, Jorge Martins, David Almeida, Pedro Cabrita Reis, Joana Vasconcelos, Ângela Ferreira, José Pedro Croft, Rui Chafes, João Maria Gusmão e Pedro Paiva, Francisco Tropa, André Cepeda, António Gonçalves …

 

 

Há algum auxílio do governo no desenvolvimento dos artistas?

Existem alguns organismos, ligados ao estado, cujo seu papel deveria ser o de apoiar os artistas portugueses porém, a obtenção desses apoios torna-se complexa sendo para isso necessário algum engajamento, estar integrado na rede político-social... Quem não faz parte da máquina obviamente fica fora do circuito.

Existe a Fundação Calouste Gulbenkian que trouxe a Portugal um enorme arejamento e apoio à cultura. Acontece que o Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian vai ser extinto no final de 2010 no âmbito de uma reestruturação interna. É o fim de um serviço criado há 50 anos para apoiar as artes plásticas, visuais e performativas. Em 2006 a Gulbenkian, já no âmbito de uma reestruturação que a instituição tem vindo a efectuar, extinguiu o Ballet Gulbenkian.

Creio que o estado tem o dever e a responsabilidade de apoiar a cultura do seu país embora os artistas também não devem ficar de braços cruzados à espera…


Você recentemente fez uma bela exposição em Belo Horizonte. Qual foi sua impressão sobre o ambiente de arte no Brasil?

Sim, acabo de expor no simpático Espaço Cultural do Centro Administrativo da Vallourec & Mannesmann, em Belo Horizonte, dirigido por pessoas de uma enorme generosidade. Realizei outras exposições em locais importantes no Brasil.

A minha percepção sobre a arte no Brasil é que ela tem uma enorme vitalidade. Apresenta-se sob as diferentes tendências e formatos que reflectem a sua diversidade e liberdade criativa.

O Brasil possui, para além de um relevante e atractivo mercado de arte, uma importante e qualitativa rede de Museus, Institutos e Galerias de Arte que promovem e incentivam os artistas a apresentarem os seus arrojados projectos de revalorização e afirmação da arte. A Bienal de São Paulo é encarada, aos olhos dos artistas de diferentes latitudes, como um espaço de afirmação e projecção global.

É esta singularidade que hoje leva os artistas estrangeiros a construir pontes e a estabelecer mecanismos de comunicação e trocas culturais com o mercado de arte brasileiro.

 

Quais são seus planos para o futuro?

Embora não tendo muitos planos para o futuro gostaria de expor mais assiduamente no Brasil e, se possível, ter atelier neste jovem pais carregado de enorme potencial.

 

 Além da arte plástica quais são seus interesses para as horas vagas?

Trabalho na Câmara Municipal de Lisboa como técnico superior de artes plásticas, pelo que fica muito pouco tempo para mim e, particularmente, para a minha família que amo acima de tudo.

Deste modo pinto à noite e ao final de semana.

Faço alguma pesquisa sobre arte, visito sempre que posso alguns museus e galerias de arte. Viajo muito pouco a não ser em trabalho.

Aos domingos de manhã gosto de praticar desporto para me manter em forma física.

Sempre que posso adoro estar, conversar e tomar um café com os meus amigos.


terça-feira, 13 de dezembro de 2022


Técnica mista sobre tela, 65 x 81 cm, 2016





segunda-feira, 5 de dezembro de 2022


                                                José Brito, técnica mista sobre tela, 2011, 65 x 81 cm

                                   



José Brito, técnica mista s/tela, 130x97 cm, 2008


 



MEMÓRIA NOCTURNA DO MUNDO

Este não é o mundo que eu conheço, ou conheci, mas alguma parte nocturna dele. É porventura um mundo encoberto, que se tornou parietal e que os morcegos pintaram primeiro com colagens e velhos jornais de parede. Eles ou alguém por eles, gente do mundo urbano mal iluminado, cola escorrendo entre muros de madeira, portas, betão envelhecido. Os jornais voando das mãos para o empedrado das ruas e mais tarde, em colunas de história, pegados nas paredes poeirentas. Grandes trinchas de pintores murais, gente do biscate na rua ou dentro das casas húmidas, assim chegam para arranjar bolores, farelos provocados pelos invernos mais duros, frinchas, fracturas, painéis internos onde sobram, no protoplasma da sua transitória ausência, centenas de silhuetas de pequenos e médios quadros, retratos, memória de infâncias ou paisagens depois delas.

A história também envelhece, por dentro e por fora dos espaços urbanos, sobretudo quando fica resumida aos títulos sem gramática dos jornais — o luto pelos mortos do último naufrágio, a guerra inútil, a emigração dolorosa ainda lembrada desde os anos 60, hoje como nunca, por isso as casas fechadas, entre valores tonais de cinza e negro, ainda rótulos e restos de mercearias fechadas há meio século.

Quase tudo isto, com o avanço de uma civilização tormentosa, feita de metrópoles neuróticas, onde o consumo se transforma em caixas inventadas por Kafka e que guardam, expelem ou fazem arrastar lixos inomináveis. Como o que sobra, na cal, em anúncios e gritos sem sentido. Palavras eternas mas inúteis: ética, objectos, portas para remodelação. Gruas e Gárgulas. Ministérios. Desastres. E sobre todo esse reflexo de uma vida submersa em sinais e silêncios nocturnos, sob o alarme de janelas iluminadas, soltas, altíssimas, o efeito das trinchas tapando tudo de alto a baixo, manchas juntas, esboroadas pelo avanço na urgência.

José Brito pinta assim como se desfizesse quadros anteriores, cobrindo-os em negro e sobre novos rascunhos em papel, mensagens anónimas e marcas inalienáveis de certa degradação universal. Tudo ele vai encobrindo, enquanto espreita pelas ranhuras que os pincéis e os rolos marcam sobre os muros do nosso labirinto, através dos quais a esperança reinventa iluminações ou esperanças — a notícia, a imagem insinuada e emblemática.

Depois ele descansa quando fecha a porta desse mundo testemunhado e levado ao segredo. Não descansa ao “sétimo dia”, porque não é Deus, mas sim quando é preciso matar a insónia ou diluir o cansaço. Depois viaja durante o amanhecer, pelos dias outonais, apanhando aqui e além outros restos das horas dos outros, grafias em jornais, mais notícias e rasuras, a sombra dos pássaros, o branco das gaivotas, o negro da noite ou do instante em que o rolo cheio de tinta preta se deixa substituir pela trincha e se imobiliza, escorrendo fios líquidos até ao limite, dele, do quadro e dos nossos olhos desamparados.

Então é preciso descansar de novo e olhar o riso ou a estranheza dos elementos pictóricos que dão corpo, gravidade, talvez um sorriso meio escondido às coisas, na cada vez mais previsível duração do mundo nocturno onde ainda nos recolhemos atrás do tempo cósmico.

Rocha de Sousa/2014